BOCA DE BODE
O vocabulário do nordestino é repleto de termos que, quando não causa admiração, ´provoca espanto. Isso é produto das diferenças existentes entre a cultura de cada região.
Saindo de Paulista, cidade pertencente ao chamado "Grande Recife", para fixar residência em Campina Grande, encontrei na Rainha da Borborema costumes que me deixaram espantado e até com vontade de voltar para o meu lugar de origem.
Meu pai se divertia quando eu reclamava do dono da venda, que lá em Campina Grande era bodega. Eu fui comprar gás e como não sabia que lá era querosene, voltei pra casa com o litro vazio.
Os meses iam passando e eu fiz amizade com alguns guris, como a gente chamava em Recife mas que em Campina Grande eram os "Zés". Depois é que fiquei sabendo que na Paraíba, quando não se sabia o nome da pessoa, homem era seu Zé e mulher era dona Maria.
Certa vez, o que eu ouvi de um cidadão foi de arrepiar. Eu estava na calçada de casa, quando dois caras se encontraram e um perguntou ao outro se a peça que ele comprou tinha dado certo, ao que o outro respondeu:
Deu certinho como BOCA DE BODE!
Eu nunca fiquei tão ansioso pela chegada de meu pai, como naquele dia. Eu queria que ele me explicasse o que era BOCA DE BODE. Meu pai sempre sabia o que significavam certas coisas absurdas,. Para não esquecer, eu fiquei a manhã todinha com aquelas palavras na memória: Boca de bode... boca de bode... boca de bode,,,
Até me fez lembrar um amigo meu que a mãe mandou ele comprar bicarbonato. Para não esquecer, ele foi até a venda repetindo: bicarbonato... bicarbonato... bicarbonato... até deu uma topada e trocou a palavra: carboreto... carboreto... carboreto... O resultado foi um desastre..
Bem, vamos ao que interessa! Quando a porta de casa se abriu, eu saí como louco ao encontro de meu pai e fui logo gritando: Pai, o que BOCA DE BODE?
Meu pai quase cai de costas. Olhou para mim e notou que minha curiosidade não aceitava demora na resposta e foi dizendo: Bem, meu filho, boca de bode é quando as coisas dão certo.
Eu vou te dar um exemplo. Olhou em redor até que sua vista deu com uma caixa onde minha mãe guardava botões, agulhas e linhas. Apontou para o objeto e ordenou: vá buscar aquela caixa. Eu nem pensei duas vezes e em questão de segundos a caixa já estava nas mãos do meu pai.
Meu querido velho fez um leve sorriso, tirou a tampa da caixa e falou: Veja como eu vou colocar esta tampa, e o fez como se estivesse em câmara lenta, enquanto dizia: Veja como ela entra certinho... (plô) viu??? Eu respondi que SIM.
Aí ele olhou para mim e sorrindo falou: entrou certinho como BOCA DE BODE!!!
Ato contínuo, ele me sentou no colo e disse: Depois eu vou te mostrar como a boca de um bode fecha direitinho como a tampa dessa caixa, tá certo??? Espere só a gente encontrar um bode solto por aí!
Olhei para ele e orgulhoso pelo pai que eu tinha, dei um longo suspiro de satisfação e disse: tá certo, pai!
- Criado por Adalberto Pereira -
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