O PISTOLEIRO
Um certo fazendeiro, invejoso, ganancioso e dono de um coração cheio de ódio e rancor, contratou um pistoleiro para executar um cidadão, por quem alimentava uma certa aversão. Fechado o “negócio”, entregou-lhe a metade do valor combinado.
Frio e calculista, o pistoleiro partiu em direção à residência do desafeto do seu “patrão”, onde chegou já ao cair da tarde. Bateu à porta e foi recebido por uma senhora, que enxugava as mãos num avental já bastante sofrido pelas atividades diárias. Vendo o “visitante”, ela chamou o marido, o alvo do assassino.
Educadamente, a possível vítima, cumprimentou o estranho visitante, abriu-lhe a porta e mandou que entrasse e sentasse para descansar o corpo da viagem. Serviu-lhe água para matar-lhe a sede e nem se preocupou em saber seu nome, de onde vinha ou para onde ia.
Para ele, aquilo eram detalhes que não lhes interessavam, pelo menos no momento. Apenas sentou-se à frente do pistoleiro e, mal havia iniciado uma conversa, ouviu uma voz vindo do interior da casa. Era a esposa que anunciava a hora do jantar.
Com a mesma educação como o recebeu, ele convidou o “visitante” para acompanhá-lo até a sala de jantar. Os dois sentaram à mesa, seguidos da dona da casa. Virando-se para a janela do oitão, o cidadão gritou: - Meninos, hora do jantar!
Imediatamente, surgiram na sala sete meninos, que se aproximaram da mesa, mas o cidadão os repreendeu mandando que fossem lavar as mãos. Eles o obedeceram e voltaram cheios de vontade.
Cada um tomou o seu lugar, olhando meio desconfiados para o estranho visitante. Olhando para eles com um olhar sério, o dono da casa murmurou: - Não vão dizer boa noite para o nosso amigo? Todos gritaram a uma só voz: - Boa noite, moço!
O pistoleiro, mal podia falar, mas com um grande esforço conseguiu responder aos cumprimentos das crianças. O dono da casa, apontando para os garotos, apresentou: - aqueles quatro à esquerda são nossos filhos André, Noaldo, Carlito e Juarez; os outros três: Arthur, Miguel e Marcelo são nossos netos. Apontou para a mulher e apresentou: Esta é Clarice, minha esposa! Ela é quem manda em tudo! (risadas).
Terminado o jantar, todos foram para a sala, onde as conversas foram bastante animadas, menos para o pistoleiro, que, atônito diante de tudo o que presenciava, não sabia o que fazer. Vez por outra esboçava um sorriso meio sem graça, até que, para seu alívio, ouviu o cidadão dizer: - Bem, pessoal! Hora de dormir! Amanhã será outro dia!
Conduziu o “visitante” até o quarto de visitas e, como a noite estava fria, escolheu para ele os melhores agasalhos. A noite foi uma verdadeira tortura para o pistoleiro. Por mais que tentasse, não conseguia conciliar o sono.
As perguntas alimentavam cada vez mais a tortura que corroía seu cérebro: - O que está acontecendo comigo? Eu nunca “bati pino” numa “quebrada de milho”. Como eu posso tirar a vida da única pessoa que trata como gente?
O dia amanheceu e ouviu alguém batendo na porta do seu quarto. Era o dono da casa, chamando-o para tomar o café da manhã. Sentiu um calafrio tomando conta do seu corpo. Não tinha outra saída a não ser sentar novamente à mesa e encarar aquela família, cuja felicidade ele estava prestes a destruir.
Agradeceu a hospitalidade da família, colocou a mochila nas costas e com um aceno seguiu sua caminhada de volta para casa. Continuava sem saber o que havia acontecido com aquele sujeito frio e calculista, matador de aluguel.
Olhando de lado, depois de alguns minutos de caminhada, deparou-se com um pequeno lago. Saiu da estrada, chegou à beira do lago, tirou da mochila o revólver e o lançou o mais longe que alcançou. E como se o lago o ouvisse, murmurou: - Toma! É todo teu! Faça com ele o que quiser.
Deu meia volta, retornou à estrada e continuou em sua longa e penosa caminhada. Agora mais aliviado, ensaiou um pálido sorriso, balançou a cabe por várias vezes, como se não estivesse acreditando no que acontecera com ele.
Lembrou-se do sorriso das crianças e da felicidade daquele casal, uma família que ele quase destruiu. Chegou até a pensar em construir uma família, mas desistiu. – Quem vai confiar num sujeito como eu? Eu sempre serei um pistoleiro cruel e desumano!
Com o dinheiro recebido, metade do acertado, tomou um destino até hoje ignorado. Quem o conhecia como um “quebrador de milho” perverso e sem coração, não sabe dizer o seu destino. Se ele se sentiu aliviado pela mudança inesperada, a sociedade sentia muito mais.
Este texto, com sabor de ficção, foi criado num momento em que o autor meditava sobre a fragilidade da nossa justiça, que teima em fabricar perigosos criminosos, diante das conivências com o terrorismo implantado pelos que matam, sequestram, assaltam e destroem os sonhos dos verdadeiros cidadãos.
Autor: Adalberto Pereira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário