A NOVENA
(História contada pelo
saudoso Alício Barreto e adaptada por Adalberto Pereira)
Seu Tibério era um
fazendeiro bem sucedido, criador de centenas de cabeças de gado e muito
respeitado pela forma como tratava as pessoas, sem olhar se era rico ou pobre,
feio ou bonito, preto ou branco. Era acima de tudo, muito, mas muito religioso!
Todos os anos marcava presença na novena na cidade.
A segurança da fazenda “Cancela
de Prata” estava nas mãos de Sebastião, a quem todos chamavam de Bastião, um
negão de 1 metro e 80 de altura, mais de
80 quilos de carne, osso e gordura, ignorante ao extremo, mas bastante
cuidadoso. Todos os anos seu Tibério tentava levar Bastião para a novena, celebrada
numa vila a uns cinco quilômetros da fazenda. Mas as tentativas nunca surtiam
efeitos.
E o patrão sempre
insistindo: - Bastião! O homem não pode viver longe de Deus! Nós precisamos
ouvir as mensagens que os padres transmitem pra gente, homem! Vamos pra novena
ouvir a pregação do vigário! – Era sempre assim todos os anos. Mas tudo aquilo
não comovia o capataz. As palavras entravam por um ouvido e saiam pelo outro.
- Qui missa qui nada,
patrão! Meu negóço é cuidar da roça e do gado! Lá de cima Nosso Sinhô tá vendo
qui eu num sou má pessoa; ele tá vendo que eu sou um cara trabaiadô, antonce,
pra quê missa? – Era a resposta de Bastião.
Mas como diz o ditado
popular: “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, naquele ano,
Bastião acabou cedendo. Mas fez uma exigência: só ia se pudesse levar sua
peixeira e seu facão, “instrumentos” dos quais ele não se separava nem nas
horas das refeições.
- Mas Bastião! Pra que levar
peixeira e facão, rapaz? Lá na missa só
tem gente santa! Nem de polícia precisa! – Insistiu seu Tibério.
A peixeira ele aceitou
deixar em casa, mas o facão! Ah, o facão, de jeito nenhum! Esse ele não deixava nem que a vaca tossisse.
Ou ele levava o facão, ou nada feito! E
como não tinha jeito mesmo, seu Tibério disse: - Tá bom, Bastião! Pode levar
seu facão, mas esconda pra não chamar a atenção das pessoas.
Era normal naquela época do
ano, os estudantes do Colégio Estadual de Patos formarem comitivas para
participarem das novenas. Era mais para namorar as “matutinhas” do que mesmo
pela necessidade de participar da novena. E onde tem estudante, muitas coisas
“estranhas” acabam acontecendo, principalmente
quando Geraldo Mamede estava no comando!
Assim como um velório não
tem graça sem a presença de um bêbado ou de um doido, as novenas não seriam
novenas sem a presença de um santarrão! E lá estava um deles, ajoelhado e
“mastigando” com os dedos as bolinhas do rosário. Era um careca, franzino e bem
vestido, para dar bom exemplo de santidade.
Por trás, Bastião olhava ansioso
para o lugar onde estava o altar. Por trás do capataz, o grupo de estudantes. O
vigário chega e começa o sermão. Ele estava baseado na morte de Jesus Cristo. A
mensagem começou com o vigário mostrando a santidade e a inocência do Filho de
Deus, até que em dado momento, dava início a parte mais comovente da história.
E lá vai o vigário:
- E Jesus Cristo foi julgado
e preso por causa de Pilatos. Bastião se mexeu no lugar e alisou o cabo do
facão, movimento que Geraldo Mamede não deixou passar despercebido.
- E Jesus Cristo foi
açoitado, chicoteado, cuspido e maltratado, tudo por causa de Pilatos. Bastião
não aguentou e resmungou: - Qui cabra safado esse tá de Pilato! E o padre
prosseguiu:
- E Jesus Cristo, um homem
santo e inocente, foi obrigado a carregar uma pesada cruz, sendo chutado,
pisoteado e xingado, tudo por causa de Pilatos.
Foi aí que Bastião não
aguentou mais e bradou: - E num tinha homi lá perto, não, pra defender esse
homi?
Foi aí que Geraldo Mamede,
aproveitando a revolta do capataz, apontou para o santarrão da frente, tocou no
ombro de Bastião e disse: - Fique com raiva não, amigo! Pilatos já se
arrependeu e está aí na frente, ajoelhado, pedindo perdão (disse isso e caiu
fora).
Virado numa fera, Bastião
arrastou o facão, deu uma lapada no religioso e gritou: - Cabra safado, tu faz
o qui fez cum o homi e agora vem pra cá pedi perdão, infeliz! (e tome outra lapada).
O pobre homem largou o
rosário e aos pulos saiu do local, enquanto seu Tibério chegava, tentando
acalmar o Bastião que, ainda mais furioso e inconsolável, riscou o chão com o
bico do facão e gritou: - SE TEM MAIS PILATO POR AQUI QUE APAREÇA!!
Foi o fim da novena. Os
estudantes do CEP sumiram do local e, de longe, se divertiam com a cena
inusitada. Daquele dia em diante, ninguém mais na Fazenda “Cancela de Prata” se
arriscava convidar o Bastião para outros eventos religiosos celebrados nas
redondezas.
- Adaptação de Adalberto
Pereira –
OBS.: Este conto está no
livro “Solos de Avena”, de Alício Barreto.
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