quarta-feira, 7 de setembro de 2022

COISAS DO SERTÃO NORDESTINO

 

                                                         A NOVENA

(História contada pelo saudoso Alício Barreto e adaptada por Adalberto Pereira)

Seu Tibério era um fazendeiro bem sucedido, criador de centenas de cabeças de gado e muito respeitado pela forma como tratava as pessoas, sem olhar se era rico ou pobre, feio ou bonito, preto ou branco. Era acima de tudo, muito, mas muito religioso! Todos os anos marcava presença na novena na cidade.

A segurança da fazenda “Cancela de Prata” estava nas mãos de Sebastião, a quem todos chamavam de Bastião, um negão de 1 metro e 80 de altura,  mais de 80 quilos de carne, osso e gordura, ignorante ao extremo, mas bastante cuidadoso. Todos os anos seu Tibério tentava levar Bastião para a novena, celebrada numa vila a uns cinco quilômetros da fazenda. Mas as tentativas nunca surtiam efeitos.

E o patrão sempre insistindo: - Bastião! O homem não pode viver longe de Deus! Nós precisamos ouvir as mensagens que os padres transmitem pra gente, homem! Vamos pra novena ouvir a pregação do vigário! – Era sempre assim todos os anos. Mas tudo aquilo não comovia o capataz. As palavras entravam por um ouvido e saiam pelo outro.

- Qui missa qui nada, patrão! Meu negóço é cuidar da roça e do gado! Lá de cima Nosso Sinhô tá vendo qui eu num sou má pessoa; ele tá vendo que eu sou um cara trabaiadô, antonce, pra quê missa? – Era a resposta de Bastião.

Mas como diz o ditado popular: “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, naquele ano, Bastião acabou cedendo. Mas fez uma exigência: só ia se pudesse levar sua peixeira e seu facão, “instrumentos” dos quais ele não se separava nem nas horas das refeições. 

- Mas Bastião! Pra que levar peixeira e facão, rapaz?  Lá na missa só tem gente santa! Nem de polícia precisa! – Insistiu seu Tibério.

A peixeira ele aceitou deixar em casa, mas o facão! Ah, o facão, de jeito nenhum!  Esse ele não deixava nem que a vaca tossisse.  Ou ele levava o facão, ou nada feito! E como não tinha jeito mesmo, seu Tibério disse: - Tá bom, Bastião! Pode levar seu facão, mas esconda pra não chamar a atenção das pessoas.

Era normal naquela época do ano, os estudantes do Colégio Estadual de Patos formarem comitivas para participarem das novenas. Era mais para namorar as “matutinhas” do que mesmo pela necessidade de participar da novena. E onde tem estudante, muitas coisas “estranhas” acabam acontecendo, principalmente  quando Geraldo Mamede estava no comando!

Assim como um velório não tem graça sem a presença de um bêbado ou de um doido, as novenas não seriam novenas sem a presença de um santarrão! E lá estava um deles, ajoelhado e “mastigando” com os dedos as bolinhas do rosário. Era um careca, franzino e bem vestido, para dar bom exemplo de santidade.

Por trás, Bastião olhava ansioso para o lugar onde estava o altar. Por trás do capataz, o grupo de estudantes. O vigário chega e começa o sermão. Ele estava baseado na morte de Jesus Cristo. A mensagem começou com o vigário mostrando a santidade e a inocência do Filho de Deus, até que em dado momento, dava início a parte mais comovente da história. E lá vai o vigário:

- E Jesus Cristo foi julgado e preso por causa de Pilatos. Bastião se mexeu no lugar e alisou o cabo do facão, movimento que Geraldo Mamede não deixou passar despercebido.

- E Jesus Cristo foi açoitado, chicoteado, cuspido e maltratado, tudo por causa de Pilatos. Bastião não aguentou e resmungou: - Qui cabra safado esse tá de Pilato! E o padre prosseguiu:

- E Jesus Cristo, um homem santo e inocente, foi obrigado a carregar uma pesada cruz, sendo chutado, pisoteado e xingado, tudo por causa de Pilatos.

Foi aí que Bastião não aguentou mais e bradou: - E num tinha homi lá perto, não, pra defender esse homi?

Foi aí que Geraldo Mamede, aproveitando a revolta do capataz, apontou para o santarrão da frente, tocou no ombro de Bastião e disse: - Fique com raiva não, amigo! Pilatos já se arrependeu e está aí na frente, ajoelhado, pedindo perdão (disse isso e caiu fora).

Virado numa fera, Bastião arrastou o facão, deu uma lapada no religioso e gritou: - Cabra safado, tu faz o qui fez cum o homi e agora vem pra cá pedi perdão, infeliz! (e tome outra lapada).

O pobre homem largou o rosário e aos pulos saiu do local, enquanto seu Tibério chegava, tentando acalmar o Bastião que, ainda mais furioso e inconsolável, riscou o chão com o bico do facão e gritou: - SE TEM MAIS PILATO POR AQUI QUE APAREÇA!!

Foi o fim da novena. Os estudantes do CEP sumiram do local e, de longe, se divertiam com a cena inusitada. Daquele dia em diante, ninguém mais na Fazenda “Cancela de Prata” se arriscava convidar o Bastião para outros eventos religiosos celebrados nas redondezas.

- Adaptação de Adalberto Pereira –

OBS.: Este conto está no livro “Solos de Avena”, de Alício Barreto.

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