OS SAPATOS DO HONORATO
Criação de Adalberto Pereira
Seu Honorato era um cidadão pacato, nascido e criado na Vila “Recanto do Sabiá”. Tinha um coração de ouro; não podia ver alguém passando necessidade, que logo procurava ajudar dentro de suas limitações.
Com 18 anos, tomo como esposa a jovem Clarice, uma das mais belas donzelas da região e bastante cobiçada pelos rapazes ali residentes. Mas nem ele mesmo sabia dizer por que ela deu preferência a ele. Coisa de Deus, respondia ele ao ser questionado.
Daquele feliz casamento nasceram três filhos: um menino e duas meninas. Uma criação exemplar fez dos filhos pessoas bastante respeitadas e muito queridas. Na escola, eram motivos de admiração pelos professores, que sempre os citava como bons exemplos.
A casa do Honorato era muito visitada e a vizinhança passava momentos agradáveis, ouvindo histórias e conselhos do casal. Alguns levavam até literaturas de cordel para d. Clarice ler com sua voz doce e suave. E isso varavam as madrugadas.
Os anos passaram, os filhos cresceram, casaram e deram netos ao casal Honorato e Clarice. Os netos cresceram e sempre iam para a casa dos avós, esperando seu Honorato chegar da roça para contar engraçadas histórias. Da cozinha, d. Clarice ria em silêncio feliz com o carinho como os netos os tratavam.
Era um dia de sábado, quando seu Honorato montou no cavalo “Faísca” para ir à feira, como sempre o fazia. Mas não saía antes de ouvir os pedidos dos netinhos, que acenavam para o avô até desaparecer na curva da estrada.
Entre as compras costumeiras, estavam um par de sapatos 38, uma saia plissada para a mulher, umas blusinhas e algumas balinhas e pirulitos para os netinhos; uma camisa para o filho do compadre Néco de Luzia e uma caixa de chocolates para os três filhos.
Sentou um pouco na calçada da bodega do amigo Zeca Lucena para falar de coisas concernentes à vida na roça. Olhou pro céu e disse: Vixi, o sol já se escondeu, gente! Levantou-se, montou o “Faísca” e se mandou em busca de casa.
De repente, viu sair de dentro do matagal, dois sujeitos maus encarados, que foram logo gritando:
- Passa pra cá o dinheiro, velho gagá!
Sem reagir, Honorato apenas disse que só lavava comida e que não tinha sobrado um vintém sequer.
Um dos malandros, olhando para um saco diferente perguntou:
- E o que você tem aí, dentro desse saco, velho idiota?
Com a voz calma, e tentando esconder o nervosismo, ele disse:
- Aqui eu levo dois trinta e oito e umas balinhas para…
Sem ouvir o resto do relato, e bastante amedrontados, os dois facínoras deram meia volta e saíram em disparada desaparecendo no matagal, deixando a vítima sem entender patavina.
Em casa, ao contar o ocorrido, todos dispararam numa sonora gargalhada e explicaram ao Honorato que os bandidos pensavam se tratar de dois revólveres calibre 38 e de balas para as armas.
Essa história passou a fazer parte do já vasto repertório do Honorato, que a contava com jeito de cabra valente, como se fosse dela o grande herói!