segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 

                                            LUCRÉCIO, O DETETIVE.

Todos nós temos um sonho de criança e ele nasce dentro de nós de forma mágica, mesmo contrariando outros sonhos bem mais fecundos. Meu sonho era ser motorista de caminhão! Eu ficava deslumbrado vendo um Chevrolet carregado saindo de Campina Grande para São Paulo ou Rio de Janeiro. Meu pai ficava uma fera, pois o seu sonho era ter um filho doutor. Teve que se conformar vendo o filho optando pela chata, mas gostosa profissão de radialista, depois de não obter sucesso como agrônomo.

Mas o sonho do menino Lucrécio era ser detetive. E qual não foi a surpresa dos colegas de colégio quando a professora perguntou o que os alunos queriam ser no futuro e ouviram do Lucrécio: “Eu quero ser detetive, professora!”.

Detetiiiiiive??? Bradou a classe, como se tivessem ensaiado um coral natalino. Mas detetive é muito chato! Comentou Ariosto, acrescentando: “Pois eu quero mesmo é ser jogador de futebol!”. Houve um início de tumultuo até que a professora apaziguou os ânimos, mudando de assunto.

Os dias passaram e num certo momento, alguém gritou lá dos fundos: - Professora, a minha caneta desapareceu! Houve uma mudança de comportamento da turma. Cada um se manifestava dizendo não ter nada com a história. A confusão terminou na Diretoria. Ariosto aproveitou a confusão para ironizar o colega: - Vai, detetive, descobre quem pegou a caneta do Fabrício! A gargalhada foi geral. Mas Lucrécio permaneceu indiferente a tudo.

Dias depois, Lucrécio chegou mais cedo e procurou a professora Valquíria e, sussurrando ao seu ouvido disse: - Eu descobri quem ficou com a caneta do Fabrício! Pasmada, a professora chamou o garoto a disse: - Isso é assunto da Diretoria! Você vai ter que contar ao Dr. Rosalvo, nosso Diretor. O aluno acusado foi chamado e choramingando, devolveu a caneta do colega e foi sumariamente expulso da escola, para servir de exemplo.

Eufórico com o prematuro sucesso, Lucrécio chegou em casa e correu até a cozinha onde d. Leonora, sua mãe, estava ultimando os preparativos para o almoço. Eu vou ser detetive, mãe, disse ele na maior felicidade. D. Leonora olhou para o filho com as duas mãos na cintura e retrucou:

 - Detetiiiiive? Que diacho é isso, minino? Depois de ouvir as explicações do filho, deu um resmungado e completou: - Espera só pra vê a cara de teu pai quando tu disser isso pra ele!

Dito e feito! Mal entrou em casa, seu Belízio ouviu um grito vindo da cozinha: - Chega aqui, hômi! Vem ouvir a história que teu fio tem pra te contá! Ele deu um suspiro de alívio por ter chegado em casa, tirou o chapéu de palha, jogou em cima da mesa e, olhando para o filho, perguntou: - Qui história é essa qui tu tem pra mi contá, minino?

Depois de ouvir as explicações de Lucrécio, o pai com a mão no queixo, como se estivesse lembrando algo, replicou: - Já mi falaru desse tá de detetive particular! Num é aquele sujeito que ispivita a vida alheia? Minino, minino! Tu num sabe onde tás metendo a venta! Isso é muito perigoso, meu fio, mas se tu aguenta o rojão, isso é problema teu! Olhou pra d. Leonora e gritou: - Bota o almoço, muié que história de trancoso num enche a pança de ninguém!

Lucrécio não desistiu! Matriculou-se no IUB – Instituto Universal Brasileiro e lá foi ele meter a cara nos livros de “Detetive Particular”. E não é que conseguiu!!! Passados dois anos, lá estava o Lucrécio recebendo o seu diploma e o distintivo de Detetive. Agora já podia arranjar uma namorada, casar e ter uma família como sempre sonhara!

Lucrécio ficou famoso pelos casos por ele resolvidos. E haja cliente à procura do detetive mais procurado da cidade. Uma senhora bastante aflita o procurou para um caso meio complicado: uma amiga, daquelas fofoqueiras, confidenciou pra ela que o marido dela tinha  uma amante. Isso a deixou muita chateada e  precisava tirar a limpo essa história! Para ela, o marido era muito carinhoso e sua fidelidade, até aquele momento, era incontestável. Mesmo assim, procurou o detetive Lucrécio.

- Não se preocupe minha senhora! Casos piores eu tenho resolvido! Isso pra mim, é “café pequeno”, disse o detetive, deixando aquela aflita senhora mais conformada. “Pé na estrada”, Lucrécio iniciou as investigações. Foram dois meses de um trabalho difícil, mas não impossível. Passo a passo, ele acompanhava as trajetórias do marido traidor. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura, lá estava o sujeito em companhia de uma mulher que, cuidadosamente cobria o rosto para não ser descoberta.

Mas ai daquele que caísse nas mãos do detetive Lucrécio! Sorrateiramente, ele foi se aproximando do “misterioso” casal! – Em algum momento, ela vai ter que descobrir o rosto – pensou Lucrécio consigo mesmo. Demorou, mas chegou o momento! Pronto!!! É agora. Preparou a câmera preparada para fotos noturnas e... clik... clik... clik! Três fotos para não ter dúvidas! Deu meia volta e eufórico pelo sucesso da investigação, correu para casa a fim de revelar os negativos e saber quem era a ”cabeça de porco” que tomara o lugar da esposa traída.

Lucrécio teve um sobressalto ao ver a foto! Não é possível, pensou! Você??? Era a sua esposa! O feitiço virara contra o feiticeiro! A mulher que tanto sonhara ter como esposa e com ele construir um lar feliz? Parecia estar tendo um pesadelo! Sentiu que o mundo desmoronava ao seu redor! Viu se abrir um abismo diante de si! Pasmado, não acreditava que a “princesa” dos seus sonhos fosse capaz daquilo! A dor que sentia naquele momento era sem limites! Era como se tivesse recebido uma punhalada no coração.

Ah se soubesse que ser detetive não era tão deslumbrante como pensava! Deixara ser levado pelas emoções e olhem no que deu! Naquele momento lembrou-se das palavras do pai: “Minino, minino! Tu num sabe onde tás metendo a venta!” – Meu pai tinha razão! Acabei metendo o nariz onde não devia! – pensou ele sufocado pelas lágrimas. Um martírio tomava conta do seu coração: como relatar o fato à mulher traída? Chorar junto com ela? Fugir para bem longe e deixar tudo pra trás?

De repente, como se tivesse encontrado a resposta para suas perguntas, levantou-se daquela cadeira incômoda, limpou as lágrimas dos olhos com as costas das mãos, juntou todo material que utilizara no trabalho, meteu tudo num saco e atirou num depósito de lixo.

Daquele momento em diante, Lucrécio nunca mais quis saber das palavras DETETIVE PARTICULAR! Agora, uma dúvida a ser resolvida: Ele não sabia se fora traído mais pela profissão ou simplesmente pela mulher amada!

MORAL DA HISTÓRIA: Nem sempre a primeira impressão é a que fica. Ela só perdura enquanto a percepção não chega.

- Criado por Adalberto Pereira –

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