A FELICIDADE PRECISA SER BEM
ADMINISTRADA
Eu vivi um momento bastante
difícil. Olhava para os quatro cantos de minha humilda casa e via em cada filho
uma expressão de tristeza. Era uma época em que nada dava certo: salários
atrasados, panelas vazias, problemas sem soluções imediatas e, como resultado
de tudo isso, quinze dias de fome e desespero.
Às vezes fico a pensar
naquela frase que diz: “dinheiro não traz felicidade”. Será isso verdade, ou
uma desculpa dos conformados com a pobreza? Desde os meus tempos de criança,
que sonho em conhecer a França, país por quem tenho grande admiração. Isso para
mim seria um motivo de felicidade. Se ainda não realizei esse meu sonho, não
foi por negligência minha, mas simplesmente pela falta do dinheiro, aquele
elemento que dizem não trazer felicidade.
Sinto-me uma pessoa feliz
pela família que tenho e por ser reconhecido pelos verdadeiros amigos. A minha
plena confiança em Deus, faz de mim uma pessoa conformada com o que tenho
recebido das Mãos Divinas. A certeza de que Deus está no controle de tudo,
leva-me a guardar comigo a esperança de que um dia poderei realizar o meu
sonho.
Aquele sonho de pisar o solo
de Paris, sentir a brisa suave do Rio Sena, contemplar a Torre Eiffel e girar
em torno do Arco do Triunfo. Muitas pessoas chegaram a dizer-me que desejariam
ter a minha vida e isso me fazia pensar naquele adágio popular que diz: “A vida
da vizinha é melhor do que a minha”.
É que ninguém conhece a
verdadeira história daqueles que lhe causam invejas. Nem sempre um sorriso no
rosto representa a verdadeira felicidade. O mundo está repleto de pseudos
atores que nos transmitem uma falsa realidade. Lembro-me de uma certa vez em
que uma professora pediu, como tarefa escolar, que seus alunos fizessem uma
entrevista com radialistas à escolha de cada um.
Fui escolhido por um
daqueles grupos. Depois da entrevista, que foi bastante interessante, um dos
alunos olhou para mim e disse que seu sonho era ser radialista. Perguntei-lhe o
porquê daquele sonho e fiquei perplexo com a resposta do jovem. Ele disse que
os radialistas tinham muitas namoradas, eram muito procurados e beijados pelas
garotas.
Para aquele jovem sonhador,
a felicidade estava limitada numa certa quantidade de namoradas e nos possíveis
beijos recebidos. Ele não sabia ainda
que tudo aquilo não passava de uma efemeridade. Realmente, eu tinha tudo isso e
muito mais: era respeitado pelo trabalho que realizava, embora tivesse que
fazer “das tripas coração”, para conquistar o respeito dos que acompanhavam o
meu trabalho que, diga-se de passagem, não era tão fácil como muitos pensavam.
Mas a felicidade, neste
caso, tem o seu tempo limitado; ela perdura enquanto você está no auge da
profissão. Passado aquele momento, o profissional, por melhor que tenha sido,
apesar dos títulos, certificados, medalhas e outras ovações, passa a ter o seu
nome incluso na lista dos esquecidos. Os elogios, os abraços, os apertos de
mãos, as tapinhas nas costas e os beijos tão desejados pelo jovem
entrevistador, tudo desce pelo esgoto da ilusão, em busca do ostracismo.
Na verdade, se não
conseguirmos administrar a felicidade, poderemos ser vítimas da nossa própria
armadilha. E de que armadilha você está falando? Perguntariam alguns. Trata-se
da armadilha que você criou em torno de si mesmo, quando não se preocupou em
preparar-se psicologicamente para o momento em que não mais estivesse em
evidência: quando sua voz não fosse mais ao ar e quando não recebesse mais a
visita de quem queria lhe dar um abraço de parabéns pelo trabalho realizado.
A ingratidão que a vida nos
reserva castra-nos o direito de sermos felizes e isso acontece justamente
quando essa felicidade depende dos outros e não de nós mesmos. Aí você começa a
se perguntar num monólogo constante: onde estão aqueles a quem você nos seus
programas radiofônicos mandava beijos e abraços? E a frustração se torna cada
vez mais contundente quando você não tem respostas para suas interrogações.
Procurando fugir dessa
realidade, tentei manter viva a minha maneira de conviver com o rádio. Não que
isso seja a plenitude da minha felicidade, mas seria bem pior se tivesse me
distanciado daquilo que sempre gostei de fazer, ou seja, escrever. Também
procurei manter viva a minha imagem junto aqueles que ainda reconhecem o meu
valor profissional. E aqui estou eu, metido a redator para não me tornar mais
uma das muitas vítimas da depressão.
Todos os esforços tenho
empreendido para administrar bem a minha felicidade. Para isso, posso até
tornar-me ridículo ao lembrar o que eu fiz ao longo da minha profissão,
evitando, desta forma que aqueles que ainda lembram dos trabalhos por mim
realizados no passado, não esqueçam no presente.
Faço questão de ser
lembrado! E quem não gosta de ser lembrado? E quem não faz questão de ser
ovacionado? Isso faz parte do principio de quem quer ser feliz. É muito natural
na vida de todos aqueles que querem ser imortalizados. A felicidade bem
administrada torna-se extensiva aos nossos descendentes: os filhos, os netos,
os bisnetos e até os parentes mais distantes podem ser alcançados pela
felicidade por nós construída.
Durante os muitos anos de
trabalho que começaram em 1962 e só terminaram em 2001, vivi momentos felizes
na imprensa escrita e falada. Entrevistei presidente, senadores, ministros,
além de secretários de Estado, prefeitos
e inúmeras pessoas de destaque na vida social, política e religiosa. Isso me
orgulhava, mas não me fazia totalmente feliz.
E o que estava faltando para
que eu tivesse uma felicidade verdadeira? Será que eu não estava administrando
bem os meus momentos felizes? Ou eles não passavam de efemeridades travestidas
de felicidade? Lembrei-me de uma artista famosa que depois de mostrar sua
mansão e falar de sua fama, disse: “Tenho tudo isso, mas não sou feliz”.
Fiquei bem mais tranquilo.
Afinal, o problema não era só meu! Se a felicidade nem sempre dependia da fama,
então eu até que não era infeliz. Hoje, distante dos microfones e sem a ousada
missão de entrevistar grandes personalidades, consigo administrar minha
felicidade.
Sem os abraços dos fãs
levados pela curiosidade e pelas emoções, limito-me a olhar com carinho os
certificados de melhor redator, as medalhas de profissional atuante, os títulos
de cidadanias e as inesquecíveis fotografias. Estas registram com mais eficácia
o que fomos no passado.
Somem-se
a tudo isso, as mensagens dos amigos que guardam consigo aquilo que fizemos com
o carinho e a dedicação de quem procura chegar à perfeição realizando o que lhe
agrada.
(Por
Adalberto Pereira)
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