TIRO PELA CULATRA
O termo “O tiro saiu pela culatra” é bastante usado quando
uma pessoa pensa em fazer alguma coisa e mesmo achando que os planos são os mais
perfeitos possíveis, não consegue alcançar o seu objetivo. Tudo vem na contramão. Isso acontece com grande freqüência, independente das ocasiões e do lugares.
NUMA CAÇADA
Certa vez, um caçador saiu para sua costumeira caçada.
Tomou um gole de café, deu um beijo na testa da mulher e pegou as veredas. Ele
sempre depositou muita confiança na velha espingarda, herança do avô. Por
diversas vezes a mulher dissera que estava em tempo dele comprar uma espingarda
nova, mas ele não se separava da velha “companheira”.
No meio da mata encontrou uma pedra e fez dela a sua
poltrona para descansar da caminhada. Pegou o velho cantil, tomou um gole de
água, deu um estalo na língua e preparou um cigarro de palha para dar umas
pitadas. Olhou para o céu como se estivesse estudando o tempo, puxou o chapéu
de palha pra traz e escorou a cabeça num pé de oiticica.
Encostou a velha espingarda em uma das pernas e ficou
a contemplar a mata e enquanto baforava seu cigarro ia fazendo seus planos para
aquela caçada. Depois de devorar o
cigarro, levantou-se devagarzinho e caminhou mais uns cem metros até chegar ao
local ideal.
Em um dos galhos da árvore notou a presença de alguns
de suas primeiras vítimas. Fez um sorriso de felicidade, apontou a soca-soca e
acionou o gatilho. O pipoco ecoou por toda a mata, provocando um eco
cinematográfico. O tiro saiu pela culatra e a pólvora salpicou a testa do
infortúnio caçador. Foi aí que lembrou o conselho da mulher! Realmente estava
no tempo de comprar uma espingarda nova.
NA POLÍTICA
Mas o tiro também sai pela culatra em outras ocasiões
que envolvem outro tipo de caçador. Trata-se do caçador de votos. Numa pequena
cidade nordestina, um candidato a prefeito estava com sua campanha indo de
vento em popa. Todos já o consideravam eleito e com uma expressiva maioria.
Mas contrariando a família e alguns amigos que
coordenavam sua campanha, ele resolveu mexer com o adversário. Descobrindo,
através de amigos que o seu opositor era meio gago, resolveu fazer uma
brincadeira em um dos seus comícios, gaguejando de forma irônica e proposital.
A brincadeira revoltou a população que via no
adversário daquele candidato um homem simples, mas de uma personalidade
invejável. Os votos conquistados quando ele falava dos seus planos para a
cidade foram desaparecendo, enquanto o outro recebia as adesões dos
insatisfeitos.
O tiro saiu pela culatra e o candidato brincalhão
perdeu a eleição. Manter a preferência do eleitorado é algo que precisa de
preparo moral e muito cuidado no tratamento aos adversários. Geralmente a
confiança exagerada leva o candidato a erros imperdoáveis. Não adianta fazer
com as mãos e desmanchar com os pés. O eleitor rejeita o candidato corrupto.
O eleitor não suporta candidatos que substituem o
respeito aos adversários por discursos agressivos. Um candidato pode ir muito
bem nas pesquisas, mas pode reverter a situação se colocar os ataques pessoais
acima dos seus planos de governo.
Reverter o quadro quando a situação está em decadência
e sua eleição está em xeque, pode não ser o caminho a ser seguido. Depois que o
tiro sai pela culatra, retirar a pólvora da testa passa a ser uma tarefa
difícil e dolorida.
A vida pregressa do candidato pode ser outro fator
preponderante na caminhada em busca do sucesso na eleição. Quem plantou
sementes selecionadas, com certeza terá diante de si uma árvore que produzirá
bons frutos. Os que assim não procederam serão decepcionados em suas
pretensões. E nem adianta tentar reverter a situação. A única saída é “jogar a
toalha” e corrigir os erros cometidos.
NO CASAMENTO
Há quem diga que casamento é uma loteria, ou seja, ele
depende de muita sorte. Pode haver uma certa discordância se considerarmos que
ele dá certo se os interessados forem mais cuidadosos. Se houver um período de
namoro suficiente para que os defeitos e
as virtudes de ambos sejam conhecidos, haverá
uma grande chance do casamento dá certo.
As três etapas indispensáveis para que o casamento
seja menos problemático – namoro, noivado e casamento – devem ser observadas
com responsabilidade. A empolgação não pode substituir a razão. Da mesma forma,
o amor não deve ser confundido com a paixão. Esta é efêmera. Aquele é para
sempre.
Para muitos, um dos maiores problemas para um
casamento perfeito está na escolha: a moça procura um rapaz perfeito,
impecável. O rapaz, por sua vez, se
apega à perfeição corporal da moça. Despreocupados com a beleza interior e
indiferentes ao fato de que o valor maior está na personalidade, ambos podem
ser surpreendidos por uma decepção matrimonial sem precedentes.
Quando a escolha é feita de forma precipitada, o que
parecia ser um conto de fadas transforma-se num verdadeiro inferno. É aí que o
tiro sai pela culatra e toda promessa de respeito, compreensão e de divisão de
responsabilidade escoa pelo esgoto da dor e do arrependimento. Tudo, então, se
desfaz com um terrível divórcio.
Geralmente, este final lastimável toma desagradáveis
proporções envolvendo familiares de ambos os lados. Mas neste caso, as piores
vítimas do tiro pela culatra são os filhos. Estes passarão a conviver com os
problemas disciplinares e psicológicos provocados pela obrigatoriedade imposta
por acordos judiciais firmados entre os protagonistas desta peça teatral, cujos
atos provocam dores e prantos.
NA ESCOLA
O professor, na ânsia de iniciar o ano letivo contando
com o apoio dos tão sonhados alunos, planeja uma aula para despertar o interesse
de todos. Ele quer mostrar que está disposto a dividir um pouco dos seus
conhecimentos com aqueles que muitos chamam de “futuro do país”.
A chegada no ambiente de trabalho é triunfal. Colegas,
diretores, coordenadores e funcionários o abraçam ao mesmo tempo em que lhe
desejam boas-vindas. – Aqui, eu vou dar
tudo de mim – pensa ele naquele momento de extrema alegria e de esperança.
Ansioso, dirige-se à sala de aula levando consigo o
sonho de ter diante de si uma turma seleta, com alunos sedentos do saber e
prontos para receber dele os ensinamentos dos quais precisam. Mas tudo se
desmorona ao ser recebido com frieza e indiferença. O problema é que ele ainda não
aprendeu a conviver com um grupo heterogêneo.
Ele sente de imediato que tudo que planejara não
passara de um sonho. Um sonho frustrado, inútil. Mas ele não podia ser vencido pelo desânimo.
Talvez aquilo não passasse de uma normalidade, coisa que acontece com todos nos
primeiros dias de contatos com os alunos.
Com o passar do tempo, ele acaba chegando a uma
conclusão bastante óbvia: o tiro tinha saído pela culatra! Aquilo não passava
de um sonho, e ele se encontrava diante de uma inesperada realidade. Ele passou
a sentir que, na sua longa caminhada como educador, o reconhecimento do lado
oposto ficaria para sempre nas dependências dos sonhos frustrados.
NA RELIGIÃO
Um certo jovem apaixonado pelo esporte, sempre passava
em frente de uma igreja, em sua caminhada dominical para o estádio, onde se
juntava aos amigos para mais uma partida de futebol. Achava lindos os cânticos
vindos lá de dentro e sempre pensava consigo mesmo – um dia eu entro aí!
Num determinado domingo, seus colegas de futebol resolveram
fazer um passeio, mas ele preferiu ficar em casa. Estava sentado diante da
televisão quando, de repente, lembrou da igreja e daqueles cânticos que o
empolgaram. Deu um pulo, trocou de roupa e lá foi ele para a igreja!
Chegou meio sem graça, um tanto desconfiado, mas a
recepção foi tão legal que se sentiu como se estivesse em casa. Agora já podia
ouvir de perto e por completo os louvores que tanto o deixavam curioso. Houve
até momentos em que arriscou acompanhar, mas descobriu que cantar não era o seu
forte. Desistiu!
-Mas é muito legal, mesmo! É melhor do que jogar
futebol! – pensou lá com seus botões! Passou a sentir uma paz impressionante.
Aquilo era algo que o deixava cada vez mais encorajado a participar dos cultos.
Fez novas amizades e passou a ser um frequentador assíduo. Os jovens dali eram
diferentes dos seus amigos de futebol!
Em casa, tentava convencer os pais a acompanhá-lo, mas
estes não davam a mínima, preferindo seguir a tradição da família. Ainda
tentaram desestimulá-lo, mas sem sucesso. O jovem estava mesmo disposto a
seguir em frente.
Sabendo que ele era bom de bola, os jovens da igreja o
convidaram para um jogo amistoso contra o time de outra igreja. Para ele, o
convite caiu como uma luva. Esperou aquele dia com muita ansiedade. Finalmente
chegara o momento! Feliz da vida preparou seu material E lá foi ele no meio da
mocidade.
Vez por outra, ele pensava como seria o seu
comportamento. Afinal, estava num meio cristão e precisava jogar com disciplina
e lealdade. Com certeza, tudo seria bem diferente dos jogos onde a violência e
a falta de respeito são os principais ingredientes de uma partida de futebol.
Começa a partida, cujo juiz era o próprio pastor de
uma das igrejas ali representadas. – Aí sim! Com o pastor apitando o negócio é
diferente! – pensou ele consigo mesmo! O tiro saiu pela culatra! O que ele viu
foi pior do que costumava ver.
Os palavrões, a pancadaria e os empurrões se repetiam
a cada lance. De repente, o pastor para a partida e grita: - Irmão Fulano, pega
o apito! Não aguento mais esses incrédulos! Entregou o apito a um diácono,
entrou no carro e foi embora. A confusão foi generalizada, com alguns dizendo
que o juiz era fraco e sem moral. Mas chegou um menos despreparado e contornou a
situação e o jogo continuou.
Se a situação com o pastou apitando já não era boa, se eles não respeitavam nem o líder, como iriam
respeitar um diácono? Durante a confusão, ele procurou um local onde não fosse alvo
daquela violência. Olhou para o céu e murmurou: - meu Deus! Calcule se eles não
tivessem orado antes do jogo!
Diante da situação, o jovem chegou perto do capitão do
time e disse: Olha aqui, meu irmão, já que o pastor foi embora, eu vou cair
fora também, antes que o clima fique pior do que está! Vocês não respeitaram
nem o pastor! Saiu Dalí triste e decepcionado. Jamais pensaria que aquela
“santidade” mostrada dentro da igreja se transformasse em violência num campo
de futebol! Nunca mais voltou à igreja!
Criação de Adalberto Pereira.
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