O PASSADO NÃO MORREU - Parte 1
Dia 22 de novembro do ano de
1941, um sábado, onze e meia da noite. Em uma das casas da Rua Azul, num
lugarejo chamado Timbó, nascia um menino chamado Adalberto, nome que se
completou com Claudino Pereira. A alegria do casal Eudócia Pessoa Pereira e
José Claudino Pereira era contagiante. Afinal, ali estava o primeiro filho do
casal. Pronto para acender o estopim da guerra.
Não foi fácil para minha
mãe! Mesmo assim, consegui nascer para ser quem sou! Aliás, continuo dando
trabalho a muita gente, que me engole na marra (por ser sincero)! Minhas
lembranças me levam até o grande amigo Joel, filho de d. Benedita. Por sinal, o
único amigo antes de conhecer o José (que morreu atropelado), filho do velho
“Pai Tá”, lá na chamada Casa do Alto.
Por falar em casa do Alto,
foi lá onde nós vivemos os belos tempos de fartura. Era um sítio pertencente ao
alemão Alberto Lungdrent (não sei se é assim que se escreve). Mangueiras,
abacateiros, laranjeiras, bananeiras, coqueiros, cajueiros, jaqueiras, tudo
tinha em abundância. Isso sem falar nas galinhas, perus, porcos, patos, guinés,
carneiros, cabras e o cachorro Sultão, que pai preferia chamar de Sulta.
Havia fartura também de
macaxeira, batata doce, mandioca e inhame A roça era muito bem tratada por
minha mãe! Lembro até das cobras jararacas e cascavéis que normalmente
apareciam na beira da estrada, misturadas aos preás que os meninos da redondeza
costumavam matar com as baladeiras.
É bom lembrar os momentos,
lá em Abreu e Lima, ou Maricota para os mais tradicionais. Sempre que meu pai
podia, íamos passar Natal e Ano Novo com a família de minha mãe. A única
empresa era a Hilacarme, que fazia a linha Campina Grande – Recife. A segunda
opção eram as marinetes e as jardineiras. Estas eram mais caras, por serem mais
rápidas e mais confortáveis.
Em outras oportunidades,
íamos para Santa Rita e Bayeux, onde moravam os parentes de meu pai. Era muito
legal estar com Renato, Dé, Til, Dinha, Lena e Ednaldo, meus primos amados.
Melhor ainda era curtir a alegria de minha tia Zulmira (Zul) e as boas
conversas do Padrinho Néco. Em Santa Rita, o encontro com tia Cezina (Zina),
Josélia e Mãe Gustinha, minha avó paterna, meu primo Dário e minha tia Júlia
era algo especial. Com o primo Renato,
assistia jogos do São Bento, time local.
As primeiras letras eu
aprendi em casa, com minha mãe, mas minha primeira professora legalmente
reconhecida foi d. Maroca, a única e pioneira daquela região. Foi um tempo
difícil devido a rigidez com que fui criado. Pensam que lamento? Que nada! Não fosse assim, eu não seria esse cara sério
e honesto, que não se deixa levar pelas opiniões dos outros. Minha mãe dizia
para que eu “nunca fosse como piolho”, para andar pelas cabeças dos outros.
Dia 1º de janeiro do ano de
1958, nascia na cidade de Abreu e Lima um menino chamado Abinoan, nome que se
completou com Claudino Pereira. A mãe, minha tia Isabel, irmã de minha mãe, no
mesmo momento em que dava luz ao mano, partia para a eternidade. Vital Vieira
de Barros, o marido, agora viúvo, tomava o menino recém-nascido nos braços e,
sem qualquer constrangimento, entregava à minha mãe dizendo: - Tome! É seu!
O casal Vital e Isabel já
eram pais de três filhos: Abilene, Abiel e Abidonias. Não tendo condições de
criar o quarto filho, Vital o entregou à pessoa certa: minha mãe! E eu, que já
estava com meus 16 anos, ganhava com
muita alegria um irmão, que ajudei a criar. Era o meu “xodó”. Ele foi
registrado em Campina Grande no dia 8 de janeiro.
Ainda em Abreu e Lima, estar
ao lado do tio Severino Olegário Pessoa, irmão de minha mãe, da esposa, d. Lia
e dos primos Jonas e Ruth era motivo de muito contentamento. Todos eram
momentos inesquecíveis que guardo na memória e aproveito para colocar aqui
neste registro um tanto resumido.
A Campina Grande da década
de 50 já não é a mesma nos dias atuais! E nem poderias ser! Eu nem sei o que
seria de mim se chegasse hoje na “Rainha da Borborema” e ouvisse o locutor da
Rádio Borborema deixando escapar sua voz nos rádios SEMP ou ABC anunciando uma
edição extraordinária do “Campinense Repórter”, para noticiar um fato de grande
repercussão.
O dia 5 de setembro de 1958
é uma data triste, mas que precisa ser lembrada. Foi nesse dia que caiu no
Serrotão, em Campina Grande, o avião prefixo PP LDX da Loyde Aéreo. Ele ia para
Fortaleza e deveria fazer conexão em Campina Grande, mas não conseguiu
localizar o aeroporto João Suassuna e caiu num roçado. A notícia foi dada pelo
locutor Ariosto Sales, da Rádio Borborema.
A notícia foi confirmada quando
o outro locutor, Eraldo César, também da mesma emissora, foi ao local e deu mais
detalhes sobre o desastre. Eram trinta e oito pessoas que estavam no avião, das
quais 13 morreram e 35 sobreviveram. Foi um fato que ficou por muito tempo na
nossa lembrança. O desfile do dia 7 de setembro foi adiado para o dia 14.
Ouvir o chiado dos jingles
anunciando que o Café São Braz era o café da família campinense, seria algo
comovente, assim como não deixaria de ser extraordinário ouvir Genival Lacerda,
magrinho e imitando Jackson do Pandeiro no programa matinal “Retalhos do
Sertão”, apresentado por Juracy Palhano. E a voz inconfundível de Pinto Lopes?
E as novelas “Antônio Maria”, “O Anjo Negro”, “O Morro dos Ventos Uivantes” e
“Maria Laô”, com atores do próprio quadro da Borborema?
Lá, na Liberdade, nossa
primeira morada ao chegarmos naquela cidade serrana, a vida tomava outro jeito.
Já não era mais a mesma coisa lá de Timbó, em Abreu e Lima, que muitos tinham
orgulho de chamar Maricota. Agora, tudo era diferente. Até o gás era querosene,
venda era bodega e os garotos eram guris. Coisas estranhas, não!
O primeiro carnaval em
Campina Grande foi espantoso para um menino do interior de Pernambuco. O jeito
era correr para debaixo da cama, com medo dos ursos, dos cavalos marinhos, dos
gorilas e dos bois chicoteados para dançar e arrecadar dinheiro nas portas das
casas. Apavorada, minha mãe gritava: - é gente vestida de bicho, menino!
Ufa!!! Ainda bem que eram
apenas três dias! Também com nove anos e numa época em que a inocência nos
acompanhava até os quinze, era normal ter medo até das histórias de “Trancoso”
contadas por nossas mães. A primeira namorada só com os dezessete... e olhe lá,
hein!!!
Há momentos em que sentamos
e nos debruçamos sobre a mesa para lembrar-nos de como era bacana acompanhar os
pastoris nas épocas natalinas. O auditório da Rádio Borborema ficava lotado e
lá estava eu gritando: “Azul é o céu, azul é o mar, azul é a rainha que nós
vamos coroar!”. No palco, Leonel Medeiros comandava o cordão azul, enquanto
Hilton Mota comandava o encarnado.
Mas não dá para esquecer a
minha primeira professora, d. Maroca, em Timbó e da palmatória nos dias de
“argumentos”. E a famigerada Escola de D. Adelma? Esta foi a minha segunda
escola, já em Campina Grande. A professora Guiomar era filha da dona. Esta
escola ficava na Rua Arrojado Lisboa, mesma rua onde a gente morava.
Um dos muitos momentos de
felicidade foi quando vesti pela primeira vez a camisa de um time de futebol.
Eu tinha 15 anos quando vesti a camisa do juvenil do Vasco da Gama, do Monte
Santo. Depois fui titular, juntamente com grandes atletas como: Chico, Carboreto
(Arnaldo), Gringo, Raimundinho, Paulinho, Aladim, Pernambuco, Guilherme
(goleiro), e Antônio Correia.
Êpa! Não vamos esquecer os
programas de auditório da Rádio Borborema, principalmente “O Domingo Alegre”,
comandado por Leonel Medeiros. Era gostoso ouvir cantores como Maria das Neves,
Maria do Carmo, Silvinha Alencar, Ronaldo Soares, Gilson e Geisa Reis e Geraldo
Andrade. A orquestra do maestro Nilo Lima e regional do Arnóbio Araújo
acompanhavam os astros e as estrelas do cast associado.
No Domingo Alegre, a gente
trocava cinco pacotes vazios dos produtos São Braz por uma cartela de bingo. E
como era emocionante quando Leonel Medeiros anunciava: - Vamos sortear mais
três pedras do bingo São Braz. Com a pedra 10 eu completei minha cartela e ganhei
uma cama de solteiro faixa azul, com colchão, um kit dos produtos São Braz e
uma foto de Marta Rocha, Miss Brasil.
O programa Retalhos do
Sertão, apresentado pela manhã por Juraci Palhano, era cheio de atrações. Foi lá
que Genival Lacerda iniciou sua carreira artística. Vale lembrar o humorista
“Capitão Mané Coió” e os violeiros José Gonçalves e Cícero Bernardes. Eles
receberam do humorista os apelidos de “Cupim” e “Coruja”.
Mas Campina Grande era
grande mesmo! Tão grande que me dava ao luxo de ter quatro namoradas ao mesmo
tempo, sem que elas se encontrassem. Os seriados do Cine Avenida, na Getúlio
Vargas não me saem do pensamento. No Cine Capitólio e no Cine Babilônia,
assistia aos filmes mais importantes, como Cavaleiros da Távola Redonda, El
Cid, O Conde Drácula e outros. O surgimento do
Cinemascope foi uma evolução na Sétima Arte.
Vez por outra, dava para ir
ao Cine Brasil, lá no bairro de José Pinheiro, onde eu tinha uma namorada e
aproveitava para assistir aos jogos do Campinense, no Estádio Municipal Plínio
Lemos. Na Praça da Bandeira, passava bons momentos na sinuca do Luizinho,
principalmente quando estava jogando o Paulo Arruda, um verdadeiro “taco de
ouro”. Às vezes aproveitava para dar umas tacadas (não com ele, é claro!).
E como esquecer o meu
primeiro emprego numa banca de revistas, localizada na esquina da chamada “Mesa
de Renda” (como a secretaria da fazenda de hoje)? Depois é que fui trabalhar no
escritório de Representações do Sr. Geraldo Soares, no Edifício Açu (na Praça
da Bandeira). Representávamos os tecidos A. Bittencourt, a Lincoln Industrial,
Tecidos Bangu, molas Bleksteel e capotas Triunfo. Saí de lá para servir ao
Exército.
Estudar no Colégio Alfredo
Dantas, dos irmãos José e Severino Loureiro, era coisa pra filho de doutor e não
para filho de operário como eu. Mas eu estudei lá; no meio dos “filhos de
papai”. Parece inacreditável, mas é verdade! E ainda me dava ao luxo de
desfilar em pelotão especial no dia 7 de Setembro. Fiz até parte da banda
marcial do colégio! Podem arregalar os olhos! Depois fui para o Estadual da
Prata, o Gigantão, dirigido pelos professores Raul Córdula e William Ramos
Tejo. Também fiz parte da banda marcial de lá.
Na Rua Ceará, podíamos
contemplar em frente a nossa casa as catacumbas do cemitério do Carmo,
administrado por seu João Coveiro, casado com d. Ambrozina e pelo sobrinho
Alcides. E como poderíamos esquecer a família de seu Pedro Nicolau e d.
Mocinha? Ao lado, seu Cícero e d. Inacinha, formavam um casal de bons vizinhos,
com os filhos Inácio (Pelado), Carminha e Jurandir.
Êita, Campina Grande! Êita,
Paraíba masculina, muié macho, sim sinhô! Vou lembrar também das ruas onde
morei: Rua Liberdade, Rua Arrojado Lisboa, Av. Rio Branco, Rua Idelfonso Aires,
Rua Ceará, e Rua Monte Santo. Foram onze anos de história pra contar. De lá, em
1961, fomos para Patos das Espinharas, a terra do major Miguel, conhecida como
“morada do sol”. Foi outra grande e maravilhosa etapa da minha vida.
Êi! E você não vai falar
nada do Exército? Claro!!! Como posso esquecer a brabeza do sargento Paulo, do
tenente Rego Barros e do capitão Braga? De jeito nenhum! Mas é melhor falar do
tenente Negri, dos majores Maurício e Marcelo, do coronel Queiroz, nosso
comandante. Seria ingrato se não lembrasse do Cabo Carlos e dos colegas Mário,
Vanaldo, Valdemar, Noaldo, Pimentel, Agnaldo, Hildo, Leite e Aleixo, entre
outros.
Eu nem queria imaginar como
seria um encontro com o tenente Negri, com o major Maurício e com o sargento
Paulo, nos pátios do Batalhão de Serviço de Engenharia, lá na Palmeira. Talvez só
me sentisse mal ao lembrar o “boião”, conhecido “vale-tudo” consumido nas
segundas-feiras. E ainda tinha gente que lambia os “beiços”!
Fui agraciado com a função
de QMP burocrata QMG contador, trabalhando na F. A., Fiscalização
Administrativa. Mas eu sempre queria mais e passei a fazer parte da banda
marcial do Exército, sob o comando do sargento 62 (meia dois) batendo caixa.
Aproveitei para aprender a tocar corneta. Se pudesse voltaria a vestir aquele
uniforme de quem muito me orgulhei. Cheguei lá em forma de menino e saí em
forma de homem. Foi lá onde aprendi a dirigir com o soldado Silva.
Campina Grande só contava
com o Treze Futebol Clube, conhecido como o “Galo da Borborema”, mas eu nunca
fui bem com a cara dele. Também tinha o Paulistano, cujo campo ficava no bairro
da Liberdade. Tempos depois, o Centro Esportivo Campinense Clube (a raposa) se
profissionalizou e eu virei “raposeiro”. Eu saía do Monte Santo, para treinar
no Campinense, em José Pinheiro. Tomava dois ônibus para chegar ao Plínio
Lemos.
Eram maravilhosas as manhãs
de domingo em Bodocongó. No açude do mesmo nome, as lanchas velozes puxavam
esquiadores que faziam malabarismos no ar, arrancando os aplausos dos
presentes. Era bom para paquerar as meninas do bairro. O time de lá era o
Humaitá, onde eu tinha bons amigos, entre eles o goleiro João Pipoca e os
jogadores Adaltinho, Icário e Lelé. Joguei algumas vezes contra eles, vestindo
a camisa 14 do Vasco do Monte Santo.
Tá bom! Já escrevi demais! Já
provei que ainda estou com a memória fértil, apesar dos quase 7.8. Depois, se
me der coragem e se a memória continuar ajudando, falarei de outras aventuras
do meu passado que, graças a Deus, ainda não morreu!
(Por Adalberto Pereira)
Nenhum comentário:
Postar um comentário