LITERATURA DE CORDEL
No Brasil, a Literatura de Cordel tem sua
origem no Nordeste. Este nome é oriundo dos varais improvisados com cordinhas
para pendurar os folhetos com versos que relatam, entre outros, acontecimentos
dramáticos do nosso cotidiano, bem como da história política, ou reproduzem
lendas e histórias. Esses folhetos, conhecidos como “livrinhos de cordel”, são
impressos em papel barato ilustrados com xilogravuras. Muitas vezes os próprios
artistas chegam a vendê-los nas feiras e nas ruas.
Entre os diversos temas utilizados
pelos escritores, ou poetas populares, podemos destacar as grandes enchentes,
as vidas dos artistas mais populares; as façanhas de Lampião, o rei do cangaço
e seus cangaceiros; a epopéia do rei Carlos Magno e os Doze Pares de França. A
Morte de Getúlio Vargas, lançado logo após o suicídio do ex-presidente, em
agosto de 1954, foi considerado um dos campeões em tiragem, chegando a vender
70 mil exemplares em apenas 48 horas. O poeta pernambucano Leandro Gomes de
Barros é considerado um dos mais conhecidos poetas de cordel. Ele, segundo
estimativas, foi autor de mais de mil títulos.
Nem mesmo o aumento das tiragens dos
jornais conseguiu provocar o desaparecimento dos livrinhos de cordel, como
temiam os estudiosos do folclore brasileiro. No entanto, não se pode negar que
houve uma certa adaptação, principalmente em São Paulo, com a industrialização
do cordel, que passou a ser impresso em gráficas e com papel de melhor
qualidade. As capas com desenhos rústicos deram lugar a um colorido especial,
cuidadosamente bem acabadas.
Um dos trabalhos bastante conhecidos
é “O Pavão Misterioso”, que conta a história de um rapaz que, em um pavão
fabricado sob encomenda, vai raptar uma donzela, filha de um conde. É um fato
que, segundo o autor, ocorre na Grécia Antiga. No final, Evangelista, tido como
o herói da trama, consegue casar com Creusa e se transforma em conde.
Baseado nessa estória, Manoel
Apolinário Pereira criou “O Filho de Evangelista do Pavão Misterioso”. Aqui, o
autor coloca como personagem principal um jovem chamado Genival Batista. A
história começa com a festa em comemoração às bodas de prata de um conde de
Macedônia. Alí, Genival conhece Isabel, filha do conde e que completava 13 anos
naquele mesmo dia. No final, estimulado e ajudado pelo pai Evangelista,
Genival, usando o mesmo pavão, levou Isabel para a Grécia, casaram e foram
muito felizes. Vale a pena conferir este trabalho cheio de emoções.
Outras literaturas foram escritas e
fizeram muito sucesso, entre elas estão:
“O Filho do Herói João de Caldas”, de Caetano Cosme da Silva; “O Capitão
do Navio”, de Silvino Pirauá de Lima; “A Traição de Dalila e a Força de Sansão”
e “Os Cabras de Lampião”, de Manoel D’Almeida Filho; “Rei Orgulhoso na Hora da
Refeição”, de Pedro Rouxinol; e “Zé Bico
Doce, o Rei da Malandragem”, de Paulo Nunes Batista.
OS POETAS REPENTISTAS
Bastante diferentes dos “poetas de
gabinetes”, aqueles que escrevem poesias estudadas e acompanhadas pelos
dicionários, o poeta repentista é aquele que faz versos improvisados. Com eles,
as idéias surgem de forma repentina, numa demonstração de conhecimentos e
reflexos. São homens que, em sua grande maioria, não tiveram o prazer de
freqüentar escolas, colégios, cursinhos ou universidades. Para eles, a vida
representa uma escola gigante, com professores das mais diversas categorias,
que podemos classificá-los de “experiências da própria vida”.
Os maiores diplomas conquistados por
esses poetas e que passaram a ser seus companheiros inseparáveis são as suas
violas, cujos repiques transmitem uma sonoridade indecifrável, talvez uma das
maiores causadoras da inspiração poética. E assim caminham os nossos
espetaculares poetas repentistas, em busca de oportunidades para mostrarem uma
cultura que somente eles sabem transformar em aplausos e reconhecimento por
parte daqueles que sabem ovacionar os grandes valores da poesia nordestina.
OS TIPOS DE CANTORIAS
Existem dois tipos de cantorias: a
cantoria de pé de parede, aquela em que os poetas se apresentam em ambiente
aberto ao público, sem qualquer acerto financeiro, colocando-se diante deles
uma bandeja ou algo parecido, sobre uma mesa ou outro suporte, para que, à
proporção em que eles forem cantando, as pessoas presentes possam colocar suas
contribuições, que serão divididas entre os poetas no final da apresentação; e
a cantoria ingressada, aquela em que os
poetas se apresentam em ambiente fechado e onde são cobrados ingressos, ficando
o público sem a obrigação de contribuir. Esse é o caso de congressos,
festivais, festas de aniversário, etc.
AS SEXTILHAS
Vários são os gêneros apresentados
pelos poetas repentistas em suas cantorias, que, tradicionalmente, sempre
começam pelas sextilhas, nas quais eles cantam assuntos diversos, na maioria
das vezes escolhidos por eles mesmos. Vejamos um exemplo de sextilhas cantadas
pelos poetas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro, durante o Primeiro Congresso
de Poetas Repentistas do Araripe, realizado em Araripina, Pernambuco. TEMA: “A
Reforma Agrária”.
“
O Governo da Nação, que boa lei ele tem,
Acho
que a Reforma Agrária com certeza agora vem
Tomar
terra de quem tem terra e dar terra a quem não tem.”
“O
rico tem condição, propriedade comprida
E
o pobre que trabalha com a matéria abatida
E
o pobre que não tem terra é mesmo que não ter vida.”
“Vive
o pobre cansado numa vida aperreada,
O
rico que tinha terra, tanta terra desprezada
Agora
veio o momento de vender sem ganhar nada.”
Outro gênero bastante conhecido e
muitas vezes cantado é o mote em 7 sílabas. Este gênero depende muito do mote
solicitado. Por exemplo, se alguém pedisse o mote “Meu cavalo bom de gado,
morreu numa vaquejada”, ficaria assim, como cantaram os poetas José Melquíades
e Reinaldo Ribeiro no mesmo congresso:
“Acho
bom dizer agora, que isso me adianta:
Com
cavalo a gente canta, sem cavalo a gente chora;
Guardei
até a espora, que já está enferrujada,
Chorei
até na calçada igualmente um desgraçado,
Meu
cavalo bom de gado morreu numa vaquejada.”
“Nunca
mais eu dei carreira, outro cavalo eu não quero,
De
manhã me desespero e choro lá na porteira;
Nunca
mais usei perneira, que está suja e encostada,
A
sela está pendurada, usei no ano passado,
Meu
cavalo bom de gado morreu numa vaquejada.”
O mote em decassílabos é outro gênero
bastante solicitado, não só pelo seu ritmo bastante sugestivo, mas pelos temas
que são colocados diante dos repentistas. No Primeiro Congresso de Poetas
Repentistas do Araripe, os poetas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro foram
contemplados com o belíssimo mote “A velhice é doença que não tem medicina que
possa lhe curar”. Os poetas se saíram muito bem e tivemos até uma certa dificuldade
para escolher os melhores versos. Vamos presenteá-los com esses:
“Lá,
pertinho da minha moradia, tinha um velho, bem velho, que morava,
E
com tantos gemidos que ele dava, tinha noite que a gente não dormia,
Todo
dia esse velho adoecia, aí veio um doutor lhe receitar.
Receitou
e falou: ‘pra que gastar, que se cura para esse aqui não tem,
Que
velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar!” (José Melquíades)
Certo
dia eu andando no Sertão, encontrei um velhinho na estrada
Com
a cara já toda enferrujada, pensativo, escorado num bastão,
Barba
branca igual a Frei Damião celebrando uma missa no altar.
O
velhinho inda pôde me falar: ‘Ninguém vive igual a Matusalém,
Que
velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar”. (Reinaldo Ribeiro)
Certo
dia à tardinha eu fui chegando, estava um velho deitado na calçada,
Numa
vida cansada, aperreada, e seu filho mais novo namorando,
E
o velho, coitado, se apertando vendo o filho a mocinha agarrar.
Ele
vendo seu filho namorar, disse a ele: ‘eu já fui assim também,
Mas
a velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar”. (José Melquíades)
Um dos melhores momentos de uma
cantoria, pelo menos para a grande maioria das pessoas que admiram os trabalhos
do poeta repentista, é quando os poetas entram num desafio, que pode ser
apresentado de várias formas. Vejamos este desafio entre José Melquíades e
Reinaldo Ribeiro no gênero intitulado “O cantador de vocês”, quando da
realização do Primeiro Congresso de Poetas Repentistas do Araripe:
“Vou
lhe dar uma lapada que é pra ver se adianta,
Que
poeta que não canta, não pisa na minha estrada.
Que
cantiga embaraçada! Vá comer osso em hotéis
É
treze com doze, é onze com dez, é nove com oito, é sete com seis,
É
cinco com quatro, mais um, mais dois e mais três;
Já
estou de sangue quente, quebro braço, boca e dente do cantador de vocês”
(Reinaldo Ribeiro)
“Esse
cantador caipora, para mim não canta nada,
Pois
só tem muita zoada, perto de mim se apavora,
Vai
sair daqui, agora, pra dormir lá nos motéis.
É
treze com doze, é onze com dez, é nove com oito, é sete com seis,
É
cinco com quatro, mais um, mais dois e mais três;
Ele
só tem é zoada, nem toca, nem canta nada, o cantador de vocês”. (José
Melquíades)
Mas
sua velocidade não passa na minha pista
Pra
ser grande repentista, valer mais do que tu és
É
treze com doze, é onze com dez, é nove com oito, é sete com seis,
É
cinco com quatro, mais um, mais dois e mais três;
Vou
botar cela e espora, para ver se canta agora, o cantador de vocês.” (Reinaldo
Ribeiro)
No mesmo Congresso, os poetas
repentistas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro arrancaram os aplausos do
auditório, no momento em que cantaram uma “Gemedeira”, da qual transcrevo
apenas três partes:
“O
homem geme doente quando está no hospital,
Geme
até o deputado, mesmo sendo estadual,
E
o cantador de repente, ai, ai, ui, ui,
Geme
abrindo um festival” (Reinaldo Ribeiro)
“Doente
no hospital geme porque tem razão,
Prefeito
geme com medo de perder a eleição,
E
cantador de viola, ai, ai, ui, ui,
Geme
sem ter precisão” (José Melquíades)
“Vi
um velho e uma velha lá na Vila de Morais,
O
velho ia pra frente, a velha ia pra trás,
A
velha dizia assim: ai, ai, ui, ui,
Meu
velho não presta mais” (Reinaldo Ribeiro)
A abertura do Primeiro Congresso de
Poetas Repentistas do Araripe foi feita pelos poetas Moacir Laurentino e
Raimundo Borges, oportunidade em que eles apresentaram um “Brasil Caboclo”, do
qual tiramos esses versos:
“José Sarney, obrigado, presidente
brasileiro,
Que tem trocado o cruzeiro, tendo ele
modificado,
Trocou cruzeiro em cruzado, melhorou
nossa Nação,
Essa modificação diminuiu mais um
pouco,
Nesse Brasil de Caboclo, de Mãe Preta
e Pai João.
Nesse Brasil de Caboclo, de Mãe Preta
e Pai João.”
Aguardem a continuação...
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