quinta-feira, 26 de julho de 2018

FALANDO DE CORDEL - Parte 1


                                   LITERATURA DE CORDEL

       No Brasil, a Literatura de Cordel tem sua origem no Nordeste. Este nome é oriundo dos varais improvisados com cordinhas para pendurar os folhetos com versos que relatam, entre outros, acontecimentos dramáticos do nosso cotidiano, bem como da história política, ou reproduzem lendas e histórias. Esses folhetos, conhecidos como “livrinhos de cordel”, são impressos em papel barato ilustrados com xilogravuras. Muitas vezes os próprios artistas chegam a vendê-los nas feiras e nas ruas.
          Entre os diversos temas utilizados pelos escritores, ou poetas populares, podemos destacar as grandes enchentes, as vidas dos artistas mais populares; as façanhas de Lampião, o rei do cangaço e seus cangaceiros; a epopéia do rei Carlos Magno e os Doze Pares de França. A Morte de Getúlio Vargas, lançado logo após o suicídio do ex-presidente, em agosto de 1954, foi considerado um dos campeões em tiragem, chegando a vender 70 mil exemplares em apenas 48 horas. O poeta pernambucano Leandro Gomes de Barros é considerado um dos mais conhecidos poetas de cordel. Ele, segundo estimativas, foi autor de mais de mil títulos.
        Nem mesmo o aumento das tiragens dos jornais conseguiu provocar o desaparecimento dos livrinhos de cordel, como temiam os estudiosos do folclore brasileiro. No entanto, não se pode negar que houve uma certa adaptação, principalmente em São Paulo, com a industrialização do cordel, que passou a ser impresso em gráficas e com papel de melhor qualidade. As capas com desenhos rústicos deram lugar a um colorido especial, cuidadosamente bem acabadas.
     Um dos trabalhos bastante conhecidos é “O Pavão Misterioso”, que conta a história de um rapaz que, em um pavão fabricado sob encomenda, vai raptar uma donzela, filha de um conde. É um fato que, segundo o autor, ocorre na Grécia Antiga. No final, Evangelista, tido como o herói da trama, consegue casar com Creusa e se transforma em conde.
         Baseado nessa estória, Manoel Apolinário Pereira criou “O Filho de Evangelista do Pavão Misterioso”. Aqui, o autor coloca como personagem principal um jovem chamado Genival Batista. A história começa com a festa em comemoração às bodas de prata de um conde de Macedônia. Alí, Genival conhece Isabel, filha do conde e que completava 13 anos naquele mesmo dia. No final, estimulado e ajudado pelo pai Evangelista, Genival, usando o mesmo pavão, levou Isabel para a Grécia, casaram e foram muito felizes. Vale a pena conferir este trabalho cheio de emoções.
        Outras literaturas foram escritas e fizeram muito sucesso, entre elas estão:  “O Filho do Herói João de Caldas”, de Caetano Cosme da Silva; “O Capitão do Navio”, de Silvino Pirauá de Lima; “A Traição de Dalila e a Força de Sansão” e “Os Cabras de Lampião”, de Manoel D’Almeida Filho; “Rei Orgulhoso na Hora da Refeição”, de Pedro Rouxinol;  e “Zé Bico Doce, o Rei da Malandragem”, de Paulo Nunes Batista.

                          OS POETAS REPENTISTAS

          Bastante diferentes dos “poetas de gabinetes”, aqueles que escrevem poesias estudadas e acompanhadas pelos dicionários, o poeta repentista é aquele que faz versos improvisados. Com eles, as idéias surgem de forma repentina, numa demonstração de conhecimentos e reflexos. São homens que, em sua grande maioria, não tiveram o prazer de freqüentar escolas, colégios, cursinhos ou universidades. Para eles, a vida representa uma escola gigante, com professores das mais diversas categorias, que podemos classificá-los de “experiências da própria vida”.
          Os maiores diplomas conquistados por esses poetas e que passaram a ser seus companheiros inseparáveis são as suas violas, cujos repiques transmitem uma sonoridade indecifrável, talvez uma das maiores causadoras da inspiração poética. E assim caminham os nossos espetaculares poetas repentistas, em busca de oportunidades para mostrarem uma cultura que somente eles sabem transformar em aplausos e reconhecimento por parte daqueles que sabem ovacionar os grandes valores da poesia nordestina.
                               OS TIPOS DE CANTORIAS
          Existem dois tipos de cantorias: a cantoria de pé de parede, aquela em que os poetas se apresentam em ambiente aberto ao público, sem qualquer acerto financeiro, colocando-se diante deles uma bandeja ou algo parecido, sobre uma mesa ou outro suporte, para que, à proporção em que eles forem cantando, as pessoas presentes possam colocar suas contribuições, que serão divididas entre os poetas no final da apresentação; e a cantoria ingressada, aquela  em que os poetas se apresentam em ambiente fechado e onde são cobrados ingressos, ficando o público sem a obrigação de contribuir. Esse é o caso de congressos, festivais, festas de aniversário, etc.
                                      AS SEXTILHAS
          Vários são os gêneros apresentados pelos poetas repentistas em suas cantorias, que, tradicionalmente, sempre começam pelas sextilhas, nas quais eles cantam assuntos diversos, na maioria das vezes escolhidos por eles mesmos. Vejamos um exemplo de sextilhas cantadas pelos poetas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro, durante o Primeiro Congresso de Poetas Repentistas do Araripe, realizado em Araripina, Pernambuco. TEMA: “A Reforma Agrária”.

“ O Governo da Nação, que boa lei ele tem,
Acho que a Reforma Agrária com certeza agora vem
Tomar terra de quem tem terra e dar terra a quem não tem.”
“O rico tem condição, propriedade comprida
E o pobre que trabalha com a matéria abatida
E o pobre que não tem terra é mesmo que não ter vida.”
“Vive o pobre cansado numa vida aperreada,
O rico que tinha terra, tanta terra desprezada
Agora veio o momento de vender sem ganhar nada.”
                                MOTE EM SETE SÍLABAS
Outro gênero bastante conhecido e muitas vezes cantado é o mote em 7 sílabas. Este gênero depende muito do mote solicitado. Por exemplo, se alguém pedisse o mote “Meu cavalo bom de gado, morreu numa vaquejada”, ficaria assim, como cantaram os poetas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro no mesmo congresso:

“Acho bom dizer agora, que isso me adianta:
Com cavalo a gente canta, sem cavalo a gente chora;
Guardei até a espora, que já está enferrujada,
Chorei até na calçada igualmente um desgraçado,
Meu cavalo bom de gado morreu numa vaquejada.”

“Nunca mais eu dei carreira, outro cavalo eu não quero,
De manhã me desespero e choro lá na porteira;
Nunca mais usei perneira, que está suja e encostada,
A sela está pendurada, usei no ano passado,
Meu cavalo bom de gado morreu numa vaquejada.”
                             MOTE EM DECASSÍLABO
O mote em decassílabos é outro gênero bastante solicitado, não só pelo seu ritmo bastante sugestivo, mas pelos temas que são colocados diante dos repentistas. No Primeiro Congresso de Poetas Repentistas do Araripe, os poetas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro foram contemplados com o belíssimo mote “A velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar”. Os poetas se saíram muito bem e tivemos até uma certa dificuldade para escolher os melhores versos. Vamos presenteá-los com esses:

“Lá, pertinho da minha moradia, tinha um velho, bem velho, que morava,
E com tantos gemidos que ele dava, tinha noite que a gente não dormia,
Todo dia esse velho adoecia, aí veio um doutor lhe receitar.
Receitou e falou: ‘pra que gastar, que se cura para esse aqui não tem,
Que velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar!” (José Melquíades)

Certo dia eu andando no Sertão, encontrei um velhinho na estrada
Com a cara já toda enferrujada, pensativo, escorado num bastão,
Barba branca igual a Frei Damião celebrando uma missa no altar.
O velhinho inda pôde me falar: ‘Ninguém vive igual a Matusalém,
Que velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar”. (Reinaldo Ribeiro)

Certo dia à tardinha eu fui chegando, estava um velho deitado na calçada,
Numa vida cansada, aperreada, e seu filho mais novo namorando,
E o velho, coitado, se apertando vendo o filho a mocinha agarrar.
Ele vendo seu filho namorar, disse a ele: ‘eu já fui assim também,
Mas a velhice é doença que não tem medicina que possa lhe curar”. (José Melquíades)
                                        OS DESAFIOS
 Um dos melhores momentos de uma cantoria, pelo menos para a grande maioria das pessoas que admiram os trabalhos do poeta repentista, é quando os poetas entram num desafio, que pode ser apresentado de várias formas. Vejamos este desafio entre José Melquíades e Reinaldo Ribeiro no gênero intitulado “O cantador de vocês”, quando da realização do Primeiro Congresso de Poetas Repentistas do Araripe:

“Vou lhe dar uma lapada que é pra ver se adianta,
Que poeta que não canta, não pisa na minha estrada.
Que cantiga embaraçada! Vá comer osso em hotéis
É treze com doze, é onze com dez, é nove com oito, é sete com seis,
É cinco com quatro, mais um, mais dois e mais três;
Já estou de sangue quente, quebro braço, boca e dente do cantador de vocês” (Reinaldo Ribeiro)
                                                                                                       
“Esse cantador caipora, para mim não canta nada,
Pois só tem muita zoada, perto de mim se apavora,
Vai sair daqui, agora, pra dormir lá nos motéis.
É treze com doze, é onze com dez, é nove com oito, é sete com seis,
É cinco com quatro, mais um, mais dois e mais três;
Ele só tem é zoada, nem toca, nem canta nada, o cantador de vocês”. (José Melquíades)                                                                                                   
 “Você diz  que é repentista, que é homem de qualidade,
Mas sua velocidade não passa na minha pista
Pra ser grande repentista, valer mais do que tu és
É treze com doze, é onze com dez, é nove com oito, é sete com seis,
É cinco com quatro, mais um, mais dois e mais três;
Vou botar cela e espora, para ver se canta agora, o cantador de vocês.” (Reinaldo Ribeiro)
                                        A GEMEDEIRA
    No mesmo Congresso, os poetas repentistas José Melquíades e Reinaldo Ribeiro arrancaram os aplausos do auditório, no momento em que cantaram uma “Gemedeira”, da qual transcrevo apenas três partes:

“O homem geme doente quando está no hospital,
Geme até o deputado, mesmo sendo estadual,
E o cantador de repente, ai, ai, ui, ui,
Geme abrindo um festival” (Reinaldo Ribeiro)

“Doente no hospital geme porque tem razão,
Prefeito geme com medo de perder a eleição,
E cantador de viola, ai, ai, ui, ui,
Geme sem ter precisão” (José Melquíades)

“Vi um velho e uma velha lá na Vila de Morais,
O velho ia pra frente, a velha ia pra trás,
A velha dizia assim: ai, ai, ui, ui,
Meu velho não presta mais” (Reinaldo Ribeiro)
                                   O BRASIL CABOCLO
      A abertura do Primeiro Congresso de Poetas Repentistas do Araripe foi feita pelos poetas Moacir Laurentino e Raimundo Borges, oportunidade em que eles apresentaram um “Brasil Caboclo”, do qual tiramos esses versos:

          “José Sarney, obrigado, presidente brasileiro,
          Que tem trocado o cruzeiro, tendo ele modificado,
          Trocou cruzeiro em cruzado, melhorou nossa Nação,
          Essa modificação diminuiu mais um pouco,
          Nesse Brasil de Caboclo, de Mãe Preta e Pai João.
          Nesse Brasil de Caboclo, de Mãe Preta e Pai João.”

Aguardem a continuação...

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