O SONHO DE SEVERINO - Conto
O nordestino, além da fama
de cabra valente, que suporta as maiores adversidades da vida, também é visto
como um eterno sonhador. E nem precisa dormir para que os sonhos aconteçam. Na
maioria das vezes, ele sonha acordado. E Tem o maior prazer de contar o seu
sonho ao primeiro que encontrar pela frente. E foi assim que passei a conhecer
o grande sonho de Severino, um matuto criado nas brenhas do Pernambuco, mais
precisamente num lugarejo conhecido como “Usina Timbó”, no então Distrito de
Abreu e Lima.
Severino nasceu numa fria
madrugada de inverno. Eram umas duas horas da madrugada, quando d. Benedita
chamou “seu” Efigênio e pediu aos gritos que ele fosse buscar a parteira:
– Vai logo, hômi, que o
bruguelo tá já nascendo. Tu qué qui teu fio s’arrebente no chão, infeliz?
Minha mãe contou que o
matuto saiu em disparada e, em menos de uma hora, dona Maroca, a única parteira da redondeza, já
estava com o menino nos braços gritando para o nervoso Efigênio:
- É macho!!! É minino!!!
Em lugar pequeno as
notícias chegam mais depressa. E foi assim o que aconteceu com o nascimento de
Severino. Em poucas horas a casa de d. Benedita e de “seu” Efigênio estava
cheia de pessoas amigas que, como de costume, esperavam para beber o “mijo” do
recém-nascido, enquanto o pai orgulhoso, com o olhar de quem acabara de
realizar uma grande façanha, sorria alegremente, mandando que todos entrassem,
enquanto ia colocando alguns tamboretes para os visitantes.
Os anos passaram e Severino
crescia seguindo o destino do pai, ou seja, carregando uma enxada nas costas,
plantando e colhendo batatas, inhame, mandioca e macaxeira. A rotina era sempre
a mesma: acordava às cinco da manhã e só voltava pra casa quando o sol dava
lugar à lua e às estrelas.
Os anos passavam e
Severino, agora com dezoito anos, já se tornara um rapaz, tímido como a maioria
dos matutos, mas trabalhador e, por que não dizer um sonhador, como todos os
jovens de sua idade.
Certa manhã, depois de uma
noite de descanso, Severino acabara de tomar o desjejum e estava um tanto
pensativo. Parecia estar lembrando de
algo muito importante. De repente, deu um suspiro bem forte, olhou para d.
Benedita, que estava bem a sua frente, e falou:
- Sabe, mãe! Eu queria ser
presidente do Brasil!
D. Benedita quase desaba da
cadeira! Ela podia esperar tudo do filho, menos aquele pensamento ridículo! Um
pobre matuto que não tinha nem onde cair morto, pensando em ser presidente! Ela
olhou para o filho com os olhos arregalados, levantou-se da cadeira,
debruçou-se sobre a mesa, colocou uma das mãos na testa do rapaz e perguntou:
- Minino! Tu tá cum
febre? Ou será qui tu tás trabaiando
demais, meu fio?
Olhou em direção à sala e
gritou:
- Efigênio! Vem cá,
depressa, ômi! Esse minino tá maluco! Ispia só o qui ele tá dizendo!
“Seu” Efigênio, com a
velocidade de uma tartaruga, levantou-se da espreguiçadeira e caminhou até a
cozinha, onde estavam mãe e filho. Vendo o marido, a mulher olhou para o filho
e disse:
- Vai, minino! Diz pra teu
pai o qui tu me dixesse!
Sem pestanejar, Severino
repetiu o seu desejo de ser o presidente do Brasil. O pai ouviu em silêncio,
esfregou as mãos, coçou o queixo, jogou
de lado o fumo que mastigava e falou:
- Minino! Pra ser
presidente do Brasil é preciso ter estudo e tu só sabe o bê-a-bá! Tu nem sabe
as quatro operação!!! Primêro, tu tem qui istudá na cidade, ir pra faculidade e
ser doutô!
Severino olhou para a mãe e
depois, virando-se para o pai falou com toda a convicção de um sonhador
vitorioso
- Qui nada, meu pai! Eu só
preciso sair da roça e arranjar um emprego de tornêro mecânico na oficina de
seu cumpade Genaro! E nem preciso istudá, sabe! No Brasil, meu pai, quaiqué um
pode ser presidente!
“Seu” Efigênio olhou mais
uma vez para o filho e disse que era de uma família de bem, que seu pai e seus
avós eram homens de vergonha e que não ia ter um filho político. Tentou mostrar
ao filho que todo político se corrompe e se torna desonesto. Citou alguns
exemplos para remover da cabeça de Severino aquele que, para ele, o pai, era um
sonho desastroso.
Severino, que ouvia o pai
em silêncio, tentou mostrar o lado bom da política:
- Mas meu pai! Ser
presidente é bom inté demais! Ele num faz nada, só vive viajando, num compra
nada, num pega na inxada, num si preocupa com a farta de chuva, num come preá
cum angu cuma nóis e nem droime im rede remendada.
O pai, que ouvia a tudo,
ora olhando para a mulher, ora olhando para o filho, levantou-se e colocando as
mãos na cintura exclamou:
- De jeito nenhum! Nada de
ser presidente, minino! É mió ser pobre, lascado e comendo o pão qui o diabo
amassou, do que ser político!
Obediente aos pais, pois
foi criado assim, Severino, com tristeza no olhar, via cair por terra o seu
maior sonho. Anos depois, ele chegou à conclusão de que seu pai, apesar de matuto, era um homem
inteligente, um verdadeiro cidadão! Ele tinha lá suas razões!
Criação e Postagem: Adalberto Pereira.
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