terça-feira, 24 de julho de 2018


O SONHO DE SEVERINO    -    Conto

O nordestino, além da fama de cabra valente, que suporta as maiores adversidades da vida, também é visto como um eterno sonhador. E nem precisa dormir para que os sonhos aconteçam. Na maioria das vezes, ele sonha acordado. E Tem o maior prazer de contar o seu sonho ao primeiro que encontrar pela frente. E foi assim que passei a conhecer o grande sonho de Severino, um matuto criado nas brenhas do Pernambuco, mais precisamente num lugarejo conhecido como “Usina Timbó”, no então Distrito de Abreu e Lima.
Severino nasceu numa fria madrugada de inverno. Eram umas duas horas da madrugada, quando d. Benedita chamou “seu” Efigênio e pediu aos gritos que ele fosse buscar a parteira:
– Vai logo, hômi, que o bruguelo tá já nascendo. Tu qué qui teu fio s’arrebente no chão, infeliz?
Minha mãe contou que o matuto saiu em disparada e, em menos de uma hora, dona  Maroca, a única parteira da redondeza, já estava com o menino nos braços gritando para o nervoso Efigênio:
- É macho!!! É minino!!!
Em lugar pequeno as notícias chegam mais depressa. E foi assim o que aconteceu com o nascimento de Severino. Em poucas horas a casa de d. Benedita e de “seu” Efigênio estava cheia de pessoas amigas que, como de costume, esperavam para beber o “mijo” do recém-nascido, enquanto o pai orgulhoso, com o olhar de quem acabara de realizar uma grande façanha, sorria alegremente, mandando que todos entrassem, enquanto ia colocando alguns tamboretes para os visitantes.
Os anos passaram e Severino crescia seguindo o destino do pai, ou seja, carregando uma enxada nas costas, plantando e colhendo batatas, inhame, mandioca e macaxeira. A rotina era sempre a mesma: acordava às cinco da manhã e só voltava pra casa quando o sol dava lugar à lua e às estrelas.
Os anos passavam e Severino, agora com dezoito anos, já se tornara um rapaz, tímido como a maioria dos matutos, mas trabalhador e, por que não dizer um sonhador, como todos os jovens de sua idade.
Certa manhã, depois de uma noite de descanso, Severino acabara de tomar o desjejum e estava um tanto pensativo. Parecia estar    lembrando de algo muito importante. De repente, deu um suspiro bem forte, olhou para d. Benedita, que estava bem a sua frente, e falou:
- Sabe, mãe! Eu queria ser presidente do Brasil!
D. Benedita quase desaba da cadeira! Ela podia esperar tudo do filho, menos aquele pensamento ridículo! Um pobre matuto que não tinha nem onde cair morto, pensando em ser presidente! Ela olhou para o filho com os olhos arregalados, levantou-se da cadeira, debruçou-se sobre a mesa, colocou uma das mãos na testa do rapaz e perguntou:
- Minino! Tu tá cum febre?  Ou será qui tu tás trabaiando demais, meu fio?
Olhou em direção à sala e gritou:
- Efigênio! Vem cá, depressa, ômi! Esse minino tá maluco! Ispia só o qui ele tá dizendo!
“Seu” Efigênio, com a velocidade de uma tartaruga, levantou-se da espreguiçadeira e caminhou até a cozinha, onde estavam mãe e filho. Vendo o marido, a mulher olhou para o filho e disse:
- Vai, minino! Diz pra teu pai o qui tu me dixesse!
Sem pestanejar, Severino repetiu o seu desejo de ser o presidente do Brasil. O pai ouviu em silêncio, esfregou as mãos,  coçou o queixo, jogou de lado o fumo que mastigava e falou:
- Minino! Pra ser presidente do Brasil é preciso ter estudo e tu só sabe o bê-a-bá! Tu nem sabe as quatro operação!!! Primêro, tu tem qui istudá na cidade, ir pra faculidade e ser doutô!
Severino olhou para a mãe e depois, virando-se para o pai falou com toda a convicção de um sonhador vitorioso
- Qui nada, meu pai! Eu só preciso sair da roça e arranjar um emprego de tornêro mecânico na oficina de seu cumpade Genaro! E nem preciso istudá, sabe! No Brasil, meu pai, quaiqué um pode ser presidente!
“Seu” Efigênio olhou mais uma vez para o filho e disse que era de uma família de bem, que seu pai e seus avós eram homens de vergonha e que não ia ter um filho político. Tentou mostrar ao filho que todo político se corrompe e se torna desonesto. Citou alguns exemplos para remover da cabeça de Severino aquele que, para ele, o pai, era um sonho desastroso.
Severino, que ouvia o pai em silêncio, tentou mostrar o lado bom da política:
- Mas meu pai! Ser presidente é bom inté demais! Ele num faz nada, só vive viajando, num compra nada, num pega na inxada, num si preocupa com a farta de chuva, num come preá cum angu cuma nóis e nem droime im rede remendada.
O pai, que ouvia a tudo, ora olhando para a mulher, ora olhando para o filho, levantou-se e colocando as mãos na cintura exclamou:
- De jeito nenhum! Nada de ser presidente, minino! É mió ser pobre, lascado e comendo o pão qui o diabo amassou, do que ser político!
Obediente aos pais, pois foi criado assim, Severino, com tristeza no olhar, via cair por terra o seu maior sonho. Anos depois, ele chegou à conclusão de que seu  pai, apesar de matuto, era um homem inteligente, um verdadeiro cidadão! Ele tinha lá suas razões!

Criação e Postagem: Adalberto Pereira.


Nenhum comentário:

Postar um comentário